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Uma lição de cidadania

Estudantes que ocupam escolas estaduais em SG têm consciência da sua organização coletiva

relogio min de leitura | Escrito por Redação | 01 de maio de 2016 - 20:33
Ocupação no Colégio Nilo Peçanha
Ocupação no Colégio Nilo Peçanha -

Por Cyntia Fonseca e Matheus Merlim

”Nossa escola é nossa responsabilidade. Estamos ganhando voz na sociedade para mostrar aos governantes que não somos adolescentes alienados”. A frase é do estudante Karlos Santos, de 18 anos, aluno do 2º ano do ensino médio do Colégio Estadual Nilo Peçanha, no Zé Garoto, primeira unidade da rede ocupada há 20 dias em São Gonçalo. Mais do que uma reivindicação por melhorias estruturais, para especialistas, a mobilização estudantil representa um movimento histórico.

De acordo com a Secretaria Estadual de Educação (Seeduc), são 66 escolas ocupadas em todo o Rio de Janeiro. Em São Gonçalo, além do Nilo Peçanha, outras duas unidades permanecem sob a responsabilidade de estudantes: Instituto de Educação Clélia Nanci, na Brasilândia, e o Colégio Estadual Pandiá Calógeras, em Alcântara.

Entre as reivindicações em comum dos alunos estão: passe-livre intermodal e intermunicipal; a volta dos profissionais de segurança nas unidades; eleição para diretor escolar; fim do Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio (Saerj) e do adaptado Saerjinho; além de manutenção da climatização (ar-condicionado nas salas) e abertura de laboratórios didáticos (ciências, informática, etc).

É comum também entre as escolas ocupadas, a exposição de cartazes de luta por todo muro da fachada e nos murais internos. Os portões permanecem com cadeados durante o dia e à noite para evitar invasão de estranhos, que ponha em risco a segurança dos alunos que dormem na ocupação.

Para conseguir dar conta da limpeza, da segurança, da alimentação e da comunicação, os alunos se dividem em comissões. Embora as aulas da grade curricular da escola estejam paralisadas, a rotina horária continua. Às 6h é hora de acordar; meio-dia é o almoço; às 19h, a janta; e, por fim, às 22h, as luzes se apagam. 

Aliás, as salas adaptadas para quartos, com colchões e colchonetes trazidos de casa, ou doados pela comunidade, separam meninos de meninas. 

Segundo o também estudante do 2º ano do ensino médio, Luiz Carlos Silva, 17, é primordial que todos os alunos envolvidos na ocupação ajudem em algum setor, principalmente na limpeza. 

No início da semana, os estudantes do Nilo Peçanha conseguiram, junto à Seeduc, uma pequena mas significativa vitória: retirar do auditório carteiras enferrujadas e em desuso há mais de três anos na unidade. 

“Os alunos conscientizados sabem que é importante ter uma posição política de reivindicar os próprios direitos. O que estamos fazendo hoje nada mais é do que aprendemos em história e geografia”, disse Luiz Carlos. 

No IECN, por ser uma escola que varia do ensino fundamental ao médio (do 6º ao 3º ano), todos os alunos que participam da ocupação precisam ter autorização dos pais. Assim como no Nilo Peçanha, foram criadas comissões de organização. O maior entrave dos estudante, porém, é quanto à alimentação, pois eles não estão utilizando nada da despensa da escola, para não prejudicar na volta às aulas.

“A gente recebe doação de moradores da comunidade, de professores, dos nossos pais. Mesmo assim, organizamos atividades culturais com entrada revertida em um quilo de alimento para ajudar na nossa própria despensa”, conta Wanderson Pacheco, 15, estudante da última série do fundamental. 

Ambas escolas possuem uma agenda de atividades semanais, realizadas geralmente por professores em greve das próprias unidades ou mestres convidados de universidades.

Passe-livre cortado como punição

Contrariando uma das principais reivindicações do estudantes, que é o passe-livre, a Secretaria Estadual de Educação suspendeu, desde a última segunda-feira, o funcionamento das máquinas de recarga do cartão gratuidade das escolas ocupadas. De acordo com a Seeduc, “o crédito do Riocard é para o aluno ir de casa para aula e da aula para casa. Portanto, como as aulas não estão acontecendo, as recargas não estão sendo efetuadas”.

Para os estudantes que participam das ocupações, essa é uma manobra do Estado para desestabilizar o movimento, já que muitos alunos dependem do cartão para fazer cursos extraclasses. 

“Cortaram nosso direito para não ter mais alunos nas ocupações. Mas mesmo assim, a gente continua aqui para lutar por melhorias”, reivindica Yuri Gonçalves, do IECN.

Além da suspensão da recarga dos cartões, os alunos também não aceitam a antecipação das férias, imposta pelo Estado. De acordo com a Seeduc, as unidades escolares ocupadas terão um calendário específico a partir do tempo de ocupação e que o recesso começa hoje. Para repor as aulas, a Secretaria informou que serão realizadas aulas aos sábados e/ou domingos, ou nos meses de agosto de 2016 e/ou janeiro de 2017.

“Eles querem nos punir pela ocupação. Tiraram o Riocard e deram férias para esvaziar as escolas. Mas só vamos sair se, pelo menos, as principais reivindicações forem atendidas”, disse Luiz Carlos Silva, estudante do Nilo Peçanha.

A Seeduc informou ainda que conversou com representantes de colégios ocupados e do sindicato e que, após a suspensão do movimento e liberação dos espaços, o Estado se comprometeu a conversar com a direção das unidades escolares para que organizem o grêmio estudantil e fortaleçam os conselhos escolares. 

Quanto à infraestrutura, anunciou que será encaminhada uma equipe para as correções que se fizerem necessárias. Por fim, informou que terá redução do número de avaliações diagnósticas da rede, ou seja, será aplicada apenas um Saerjinho e um Saerj.

Aplausos de especialistas

Para a professora Maria Ciavatta, especialista em Trabalho e Educação pela UFF, as ocupações devem ser sentidas como um grito de alerta e conversadas com pais, gestores e professores para que se provoquem respostas construtivas para a melhoria da educação.

“Fazer parte de um movimento histórico pode trabalhar habilidades não apenas intelectuais como éticos, políticos e sociais dos alunos, desde que não se criem condições defensivas e de conflito entre os próprios estudantes, a direção e as autoridades externas”, argumenou a professora.

A especialista espera que “as autoridades abram mão do autoritarismo e recuperem a qualidade de circular entre os alunos, de buscar com eles, pais e professores as melhores soluções a curto, médio e longo prazo”.

Envolvida diretamente com a ocupação em algumas escolas no Rio, a antropóloga e historiadora Adriana Facina também vê os movimentos de forma positiva. 

“São movimentos que não têm tendências politicas claras nem partidos, e são comprometidos com a melhoria do ensino público, não apenas das estruturas e da qualidade de ensino, mas também da gestão escolar. As direções de escolas precisam criar instâncias nas quais os alunos possam ajudar a definir as prioridades, tornar a escola uma instituição mais atraente eatualizada”, comentou.

Sobre as reivindicações, Adriana é enfática: “São demandas totalmente ‘atendíveis’, a começar pela melhoria na infraestrutura. Não é possível que o Estado que gaste milhões com renúncia fiscal para estimular cervejarias e não possa destinar verbas para melhoria da estrutura física das escolas”, criticou.

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