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Dia Nacional do Combate a Discriminação Racial: luta e pertencimento

Em entrevista a OSG, influencers gonçalenses contam de que forma a influência na internet pode ser relevante no combate ao racismo e na abordagem dessa pauta cotidianamente

relogio min de leitura | Escrito por Redação | 03 de julho de 2023 - 16:45
A data se refere à aprovação da primeira lei brasileira contra o racismo no Brasil, aprovada em 1951
A data se refere à aprovação da primeira lei brasileira contra o racismo no Brasil, aprovada em 1951 -

O dia 3 de julho é marcado por uma data extremamente simbólica na luta contra o racismo. O Dia Nacional do Combate a Discriminação Racial engloba não somente os negros, como todos àqueles que diariamente lutam contra esse crime.

A data se refere à aprovação da primeira lei brasileira contra o racismo no Brasil, aprovada em 1951. A Lei Afonso Arinos, nº 1.390, se coloca como um importante ponto de reflexão sobre a necessidade da mobilização e da luta contra o preconceito racial. A data celebra o respeito à diversidade, fator necessário para que sejam construídas sociedades melhores e com uma democracia cada vez mais justa.

A Lei foi proposta pelo deputado da época, Afonso Arinos e promulgada por Getúlio Vargas e surgiu após um episódio de racismo sofrido pelo motorista de Afonso, que foi barrado em uma cafeteria de Copacabana apenas por ser negro. No mesmo ano, uma dançarina americana foi impedida de se hospedar em um hotel de São Paulo pelo mesmo motivo.


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Décadas após sua criação, o cumprimento das normas ainda não é eficaz, fazendo com que a população negra continue desassistida no combate aos crimes raciais. O Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial é, assim, um grito de socorro para que os crimes tenham as suas devidas punições.

Redes sociais como ferramenta antiracista

O avanço das tecnologias e consequentemente, das redes sociais, serve como uma ferramenta nessa luta contra o racismo. Mas, em contrapartida, as plataformas virtuaia são locais onde também acontece discriminação, até mesmo à influenciadores.


                          A internet me possibilitou ocupar lugares que sem ela, acredito que seria mais difícil de ocupar


Em entrevista a OSG, influencers negros de São Gonçalo e Niterói contaram sobre suas vidas, carreiras e de que forma suas influências através da internet podem ser relevantes no combate ao racismo e na abordagem dessa pauta cotidianamente.

A influenciadora Flávia Trindade, @aflaviatrindade, de 24 anos, é também trancista, historiadora e modelo. Nascida na cidade do Rio, ela conta que sempre morou em São Gonçalo, onde reside atualmente.

"Quando comecei a falar sobre cabelo cacheado/crespo na internet percebi que muitas pessoas se identificavam e que os meus vídeos ajudavam de certa forma, ai que comecei a me dar conta da influência. Crescer de forma orgânica na internet não é fácil, mas sigo tentando. A internet me possibilitou inúmeras oportunidades, como ocupar lugares que sem a ela, acredito que seria mais difícil de ocupar, não impossível, mas difícil", disse Flávia.

Em relação ao preconceito, ainda escrachado na sociedade, Flávia fala sobre a importância e responsabilidade de influenciar pessoas, além da valorização da raça e do auto pertencimento.

"Quando influenciamos pessoas devemos ser responsáveis pelo conteúdo publicado. E assim, sendo uma mulher preta seria impossível não falar sobre discriminação racial, valorização da raça, porque são coisas que vivo na pele. Hoje sei que ajudo muitas pessoas a assumirem seus cabelos naturais com o trabalho de trancista e também com a influência na internet, sempre exaltando a nossa beleza. Incentivando o uso do cabelo natural, a liberdade capilar depois de anos de pressão estética", declarou a trancista.

Flávia Trindade é influenciadora, trancista, historiadora e modelo
Flávia Trindade é influenciadora, trancista, historiadora e modelo |  Foto: Divulgação
  

Mais engajados e envolvidos com as causas sociais, os jovens têm o entusiasmo e a força natural da juventude, que são importantes nessas lutas. A internet, nesse caso, pode dar voz às pessoas que não tinham e serve como espaço de denúncias e desabafos.

Para a influenciadora de Niterói, Gabrielly Ferraz, conhecida por "Gaby Ferraz" @gabyfeerraz, de 23 anos, o início da carreira nas redes sociais surgiu a partir da vontade de compartilhar sua vivência enquanto mulher negra. "Eu procurava criar conteúdo pensando nas mulheres parecidas comigo que se identificavam com os assuntos que eu abordava".

Durante a pandemia, a estudante de jornalismo passou a comunicar sobre coisas que aprendia na faculdade, incluindo os assuntos aos conteúdos nas redes. A valorização e a autoestima da mulher preta são temas frequentes em sua página.

"Levanto, sempre que posso, debates sobre autoestima, influenciando mulheres negras a se amarem mais e acreditarem no seu valor e potencial, a minha missão é que as pretinhas saiam desse lugar de inferioridade que tentam nos colocar. Por isso sempre falo sobre se admirar, estar rodeada de pessoas que as admiram para se criar essa rede de apoio e amor", declarou a comunicadora.

Gaby Ferraz é influenciadora e estudante de jornalismo
Gaby Ferraz é influenciadora e estudante de jornalismo |  Foto: Divulgação
  

Discriminação em diversos setores

A discriminação não está ligada apenas ao preconceito racial, mas nos mais diversos setores da sociedade. No Brasil é possível ver diariamente o extermínio de jovens negros das favelas e periferias por ações policiais. A cidade do Rio de Janeiro tem sido o principal centro desta política. Segundo estatísticas, 86% das pessoas mortas por ações policiais no Rio são negras.


                                                     Oportunidades são disjuntores e jovens de comunidade são lâmpadas 


Os irmãos gêmeos de 22 anos, Jeferson Alves Santos, conhecido como "Faiska" @faiska22 e Wellington Alves Santos, o "Fumassa" @fumassa22, artistas e influencers moradores do Complexo da Alma, em São Gonçalo, contam sobre o começo da carreira e o processo até chegar ao estrelato.

"Começamos dançando na internet, até que passamos por um episódio onde fomos alvos de comentários racistas e decidimos nos posicionar  contra isso. Fizemos um vídeo nos posicionando sobre o racismo, da importância de representar quem nós somos e mostrando que outros jovens pretos e periféricos também podem chegar onde querem", contou "Faiska".

Os irmãos tem alçado voos cada vez mais altos e conquistado o próprio espaço no meio artístico. Faiska participou do filme "Use sua voz", da HBO e do filme "Tô de graça". O jovem desabafou sobre um episódio de racismo que vivenciou enquanto gravava um projeto para a Netflix.

"Nos lugares que a gente tem chegado fica cada vez mais evidente a discriminação racial. No último trabalho que fiz em São Paulo, eu estava indo em direção ao hotel e um casal quase saiu correndo achando que eu fosse assaltá-los, sendo que eu estava hospedado no mesmo hotel que eles. Eu fiz questão de passar por eles e mostrar que eu também posso estar ali. Eu tava bem vestido, com meu celular na mão. O que de fato assustou essas pessoas foi a cor da minha pele", declarou.


                                                                     A gente precisa dizer o óbvio para essas pessoas 


Faiska e Fumassa estiveram recentemente no Uruguai para um projeto internacional. Os irmãos estão participando de um filme, sendo os únicos brasileiros do set e atuando em um papel inédito em suas carreiras.

"Estamos interpretando jovens estudantes de medicina. Todos os meus papéis no cinema até hoje foram de traficantes, e agora estou tendo a oportunidade de fazer um estudante. Hoje a gente "tá" aí para dizer que a favela vive e tem força. Nosso objetivo é trazer o máximo de pessoas possíveis com a gente pro topo, pro pódio, porque esse é o nosso lugar", declarou "Fumassa".

A sociedade ainda vive um retrocesso racial

O mercado de trabalho também apresenta sua forte segregação em relação a raça. Negros e negras recebem salários inferiores mesmo tendo mais qualificação profissional e nível de escolaridade. Uma pesquisa feita pelo Instituto Guetto revelou que quase metade das pessoas negras não se sentem pertencentes ao seu ambiente de trabalho por sofrerem algum tipo de discriminação em sua atividade profissional. Já uma pesquisa realizada pela Catho, marketplace de tecnologia mostrou que 58% dos(as) profissionais negros(as) disseram não ter as mesmas oportunidades que os brancos.

Mesmo com o avanço tecnológico, o grande fluxo de informações e as leis contra atos discriminatórios, a sociedade ainda vive um retrocesso racial, em que atitudes criminosas surgem de meios virtuais e presenciais, sem que os valores humanos sejam praticados.

Sobre a influência nas redes sociais, Faiska afirma que "influenciar faz parte do nosso dia a dia. Estamos sempre deixando claro, mesmo que de forma subliminar, que nem sempre o caminho mais fácil é o melhor a ser seguido".

"Cada jovem de comunidade é uma lâmpada e as oportunidades são disjuntores. Quanto mais oportunidade tiver, mais lâmpada veremos acesas", concluiu.

Os irmãos Faiska e Fumassa são influenciadores e artistas que atuam no cinema nacional e agora também internacional
Os irmãos Faiska e Fumassa são influenciadores e artistas que atuam no cinema nacional e agora também internacional |  Foto: Divulgação
  

Não basta ser antiracista, deve-se lutar contra o racismo

De acordo com a Declaração Universal das Nações Unidas, "discriminação racial significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na raça, cor, ascendência, origem étnica ou nacional com a finalidade ou o efeito de impedir ou dificultar o reconhecimento e exercício, em bases de igualdade, aos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou qualquer outra área da vida pública”.  

Segundo a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, discriminação racial define-se por “toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública”.

No Brasil, a luta contra a discriminação racial se intensificou após a Constituição Federal de 1988, quando foi incluído o crime de racismo como inafiançável e imprescritível. Outro avanço é o advento da Lei 11.645, que tornou obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nas escolas. Contudo, o racismo ainda exige mais políticas de inclusão, além do cumprimento efetivo da legislação para coibir tais práticas e proteger a sociedade como um todo. Uma das principais formas de luta contra a discriminação racial é a educação.

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